Queijo da Canastra

Produzido há mais de 200 anos é primo distante do queijo de São Jorge, Açores, Portugal, trazido pelos imigrantes da época do Ciclo do Ouro. O seu modo artesanal de produção dos queijos com leite cru é registrado desde 2008 como patrimônio cultural imaterial brasileiro, concedido pelo IPHAN.


Na trilha dos queijos artesanais

No início de janeiro fiz mais uma trip queijeira, dessa vez focada na exuberância de MG. Percorremos 2.5km. Visitando amigos produtores de queijos de cabra, ovelha e vaca. Fomos em busca do mítico Queijo do Frei, maturado numa cave de pedras, sobre as nuvens no Santuário da N. Sr.ª da Piedade. Passamos 3 dias numa roça sem luz elétrica, rodeada de cachoeiras, nascentes e grutas. Onde levamos coalho para ajudar um pequeno produtor da Serra da Caiçara, acima da escondida cidade de Fechados. E finalizamos na região da Serra da Canastra, onde acampamos por 4 dias na pequena e verdejante fazenda do Alan, produtor da 4ª geração.

Indicação Geográfica

Em 2012 o Queijo da Canastra obteve a sua Indicação Geográfica (IG). Sendo a 2ª IG para queijos em todo o território brasileiro. A 1ª foi para a região do Queijo do Serro em 2011. E desde então, mais nenhuma outra região conseguiu. A região reconhecida como produtora, compreende 7 municípios que ficam aos arredores da lindíssima reserva ambiental da Serra da Canastra. São eles, São Roque de Minas (com 42% de toda produção), Medeiros, Tapiraí, Bambuí, Vargem Bonita, Delfinópolis e Piumhi.
O 8º passageiro.

O município de São João Batista do Glória que não entrou no 1º processo de caracterização da região da Canastra. Foi reconhecida agora pelo Estado como integrante da região. Entretanto, será iniciado o processo, junto ao INPI, para a inclusão na Indicação.
Produção da Canastra

A Região do Queijo da Canastra possui cerca de 793 produtores mapeados, sendo atualmente 55 associados à Aprocan (Associação de Produtores de Queijo da Canastra). Produz em torno de 17 mil kg de queijo por dia, com média de 20 peças/dia por produtor, totalizando 6.049 toneladas/ano. Sendo 1.727 pessoas empregadas diretamente. Desse volume quase 85% ainda são produzidos e entregues frescos ou com menos de 22 dias de cura, como exige a IG. Assim não agregando valor nem identidade ao produtor nem sabor ao queijo. Um retrato que tem mudado graças ao excelente trabalho realizado e capitaneado pelos amigos Paulo e Ricardo.

Uma prosa pelo desenvolvimento

Ricardo Boscaro, mora em Belo Horizonte, é Analista da Unidade de Agronegócios do Sebrae/MGs. Com formação em Administração Rural e Gestão Agroindustrial. Paulo Almeida, reside em São Roque de Minas, é Gerente Executivo de Planejamento e Projetos da Aprocan. Formado em Turismo e Administração Pública.

Com excelente trabalho sendo realizado na Canastra, várias outras regiões produtoras, Serra da Caraça, Espirito Santo, Goiás, Serro(MG), Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Alagoas(MG), realizaram visitas técnicas para aprender e tentar também sair da marginalidade, alcançando o Brasil através da sua excelência. Vamos bater uma prosa com aqueles que estão nessa batalha.


Pessoal parabéns pelo excelente trabalho e me conte um pouco do início.
Paulo – O trabalho do Sebrae com o queijo da Canastra começou em paralelo com a obtenção da Indicação Geográfica. Através de uma missão técnica com o Sebrae/MG, Codevasf e o Min. Agricultura, buscou-se dar apoio e a fazer de forma real a IG. O fato da região possuir este registro e o mesmo não gerar valor para o produto foi um dos motivos que nos fez iniciar o trabalho na Região do Queijo da Canastra há cerca de três anos.

Desenvolvimento de territorialidade, proteção do patrimônio imaterial, consolidação da cadeia, conscientização dos produtores e consumidores e assim reverter o quadro de alienação sócio produtiva. Resgatando a auto estimativa do produtor, capacitação técnica para gerir sua fazenda de forma mais eficaz e valorizar seu produto. Tornar tangível toda a história da sua família, apresentando o produtor ao mercado e o mercado ao produtor.
Ricardo – O projeto do Sebrae consiste em apoiar as iniciativas das instituições parceiras na área técnica, além de promover a organização dos produtores, fortalecer sua Associação e reforçar o novo posicionamento de mercado do queijo da Canastra. Incentivamos a comercialização do queijo curado por este ser um produto diferenciado, além de significar um resgate da sua origem. Buscamos a valorização da identidade da região como forma de agregação de valor ao produto. No início foi difícil reunir um número mínimo de produtores para começarmos o trabalho. A Associação de produtores necessitava se fortalecer e hoje já possui um plano de trabalho para 4 anos. A identidade da região está sendo trabalhada e disseminada junto a compradores, chefs e formadores de opinião.

O projeto vai se multiplicar para outras regiões produtoras?
Ricardo – Estamos iniciando um projeto na Região do Serro, com a mesma estratégia do projeto da Canastra. Esperamos avançar neste trabalho para valorizar o queijo artesanal de Minas em todas as suas origens produtoras.

Paulo – Estamos estreitando novamente os laços com a região do Serro. Fui contratado para levar toda a experiência e sucesso do case da Canastra. Lembrando que o Serro foi a 1ª região em MG a conseguir essa mobilização e estamos de volta aproveitando as novas gerações de produtores para reverter o quadro de alienação sócio produtiva.

Com quase toda a minha família mineira e tradição na produção de queijos, nasci e moro novamente no Rio de Janeiro. Aqui o estado que já teve sustentação agrícola, com café, cana e gado leiteiro, atualmente definha com orçamento baixíssimo, quando resolveu apostar cegamente no Petróleo e Turismo. Não houve e parece não ter o menor interesse na solicitação e adequação ao SISBI. E as poucas fazendas produtoras que sobraram, ficaram forçadamente a margem de toda essa revolução queijeira. Infelizmente.
Existe uma saída para os pequenos produtores do Rio?

Paulo – É preciso que tenha uma real mobilização dos atores envolvidos e que atuem nos comites de agropecuária do seu estado. Precisa gerar essa comoção para que seja discutida e quem sabe formalizada uma lei estadual para os queijos e pequenos produtores. Da mesma forma que aconteceu com a gente os produtores cariocas precisam garantir a sua sobrevivência. Paralelo a isso as faculdades e universidades precisam atuar para ajudar nas pesquisas. Esses são os passos iniciais pois tudo é muito novo.


Formatos, Sabores e Cura

Além da forma tradicional de 1kg e 22 dias de cura, há também o Merendeiro/Canastrinha produzido com a sobra da produção, com 300g, o Canastra Real com 5kg e maior tempo de cura e o Canastra Patrão com 8kg e 6 meses a 1 ano de cura.

Além desses formatos, há cada vez mais a conscientização dos produtores e consumidores para deixar o mofo natural da região agir sobre os queijos. E assim temos lindos exemplares com casca mofada e sabor mais marcante (produtores Ivair, Mauro e Serjão). Ainda nessa valorização e revolução, Guilherme Ferreira está terminando a construção de uma cave subterrânea com 4 salas, aonde irá explorar ainda mais o conceito de maturação e terroir da Canastra. Tanto os queijos com mofo natural e as novas experiências que virão dessa cave como de outras que surgirão na região, estão passando pelo aceite de alguns técnicos governamentais que não compreendem esse processo de maturação natural, e ainda acha que o queijo minas artesanal só pode ser amarelinho, lavado por fora e macio, branquinho por dentro. Pesquisas estão sendo feitas para comprovar a inocuidade dessa evolução. Viva a revolução queijeira!


HARMONIZANDO QUEIJO & CERVEJA

Sobre a madeira, um Queijo da canastra de longa maturação – mais de um ano. Produzido pelo Allan Diego da SIiva e Valeria de Oliveira, produtores do Queijo do Dinho, são somente 15 peças diárias de leite cru de vaca com alimentação 100% à pasto nativo. Tem sabor acentuado que lembra caramelo com sal, bastante umami, boa salivação, ótima presença na boca e picância final. Na taça, estreando no mercado nacional, uma NE American Pale Ale, com 35 IBU, produzida pela cervejaria Oceânica (RJ). Leve e refrescante, tem corpo aveludado que abraça o queijo, sabor bastante frutado, remetendo a maracujá e laranja, que é enaltecido na harmonização.


Data de publicação: Abril/2017

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