Um apreciador gringo da revolução queijeira brasileira

Há muitos excelentes queijos regionais espalhados pelo Brasil que permanecem escondidos sob denominações ou tipos europeus, a fim de terem melhor aceitação do mercado, que seguem condicionados apenas entre Parmesão, Gorgonzola, Brie, Grana Padano e etc.
Com a carência de lojas especializadas em queijos nacionais, na esteira da dificuldade que nossa retrógrada legislação impõe, o consumidor brasileiro se limita as redes de supermercados, atoladas em queijos industriais e marcas estrangeiras. Assim seguimos de costas para os queijos regionais brasileiros, onde encontramos mais sabor e cultura, produzido por tantas famílias, ao longo das terras do Brasil.

Terras essas, como o Serro em Minas Gerais, onde o Tulio Madureira, de 29 anos, retomou a produção da família para produzir o exuberante e potente Queijo do Gir, com leite cru de gado Gir. Dos Campos das Vertentes, da pequena cidade de Coronel Xavier, vem o Catauá, macio e notas frescas de curral, produzido com leite cru e ainda morno, direto das tetas das vacas Jersey, por João Dutra.

Da região serrana do Ceará, da pequena cidade de Guaramiranga, vem o mais saboroso queijo Coalho que já provei. Produzido pela nutricionista Michaela com leite cru e fresco do dia de gado zebuíno, além do delicioso Coalho curado com pimenta calabresa. Das terras da pequena cidade de Joanópolis/SP, vem pelas mãos da Heloisa maravilhosos e inventivos queijos de cabra como o Serra do Lopo, com casca lavado na cerveja e o lindo Cacauzinho, em formato de tronquinho de árvore, um boursin de base, com leve mofo branco por fora sobre uma fina camada de cacau e fava de baunilha amazônica.

O que dizer do queijo Dionísio produzido pela Maristella na sua fazenda em Itapetininga/SP? Um queijo frescal, maturado por mais de 30 dias, em caverna construída, e lavado nos últimos dias com vinho branco. Ao final o queijo fresco e suave se transforma num potente queijo, de aspecto rugoso e levemente mofado, com uma casca crocante e levemente amarga e interior cremoso e intenso.

Das serras cariocas, da pequena cidade de Miguel Pereira, vem o Serra do Tinguá, inspirado no português Serra da Estrela, se trata de um queijo bastante cremoso de ovelha e que por dois anos consecutivos foi eleito o melhor queijo do Rio pelo projeto Maravilhas Gastronômicas. Produzido pelo Luisinho, do Sitio Solidão, que briga entre atender uma rede de mercado carioca, com queijos embalados à vácuo, e a sua vontade de voltar a produzir de forma mais artesanal e por isso com mais sabor e identidade.

Mas o que todas essas iguarias têm em comum? São queijos regionais de produção familiar e que pela nossa legislação pró-indústria, não podem circular fora do seu estado de origem.

No último trimestre de 2015, realizei um evento no Delirium Café/RJ, onde, para deleite dos presentes, harmonizei alguns queijos mencionados acima entre outros. Entre os mais de 30 presentes havia um típico “gringo-no-rio” com sua camisa florida e sandálias fazendo boas perguntas e tirando fotos de tudo. Se tratava do Daniel Strogin, ex-Presidente da American Cheese Society, totalmente maravilhado e até nostálgico ao ver a nossa cena atual queijeira.

D. Strogin, mora no Rio há alguns anos e desse dia em diante foram muitos papos, ideias e, lógico, queijos. Em uma reunião em casa abastecido com muito queijo e cerveja nacional levamos uma prosa para essa coluna.


No Brasil, percebeu uma revolução vinda dos campos, com novas queijarias e ótimos queijos artesanais sendo produzidos. Como aconteceu nos EUA?
D. Strogin – A revolução no EUA começou de ganhar força nos anos 80. Foi mais um “renascimento” do que revolução, como no Brasil. Começou com mulheres produtoras de queijos de cabra. Quando os seus queijos começaram a ganhar espaço no mercado, outros tipos começaram a conquistar o seu espaço também. E, assim, aos poucos, setores privados e o governo começaram a apoiar. Mas o que realmente deu força para continuar esse “renascimento”, foi a propagando contínua de “pessoa a pessoa.” Alimento gourmet é sempre um negócio entre pessoas, e tem uma rede de pequenas lojas independentes, e o movimento de “Farmers Markets,” similar das feiras das ruas aqui.

Essa combinação de um movimento quase “guerrilha” e os recursos do Governo para apoiar, os queijos artesanais entraram no mercado no tempo certo, mas os seus ganhos dependiam não somente na criatividade dos produtores, mas da criatividade de pessoas no setor de distribuição também. Foi uma confluência de fatos no momento certo.

No Brasil, importamos a legislação sanitarista americana, com foco na esterilização, acabando assim com a vida do queijo. Como está o mercado artesanal de queijos nos EUA?
D. Strogin – Queijo artesanal está sempre sob ataque no mundo inteiro por causa do uso de leite cru como matéria prima, já que todos os países aplicam as mesmas regras sanitárias de grandes produtores industriais para pequenos produtores, despeito ao fato que a realidade e os riscos são muito diferentes entre elas.

Sem estudos científicos próprios suficientes para embasamento para criação de uma nova regulamentação, a tendência das autoridades, desde os anos 60, está na regra de bactéria zero, algo que realmente não existe. Utilizando regras arcaicas, sem base na ciência moderno, e desviando recursos limitados longe do que realmente poderia fazer a diferença, essas regras acabam eliminando muito o sabor das comidas disponíveis. Não é que não há riscos, mas sendo um especialista em qualidade, a solução é sempre no melhor processo. O que é necessário para um agricultor com algumas vacas (cada uma com nome próprio), não é o mesmo para uma fábrica grande onde as vacas são marcadas com códigos de barras.

O consumidor e o produtores estão bem ativo no apoio para os produtores artesanais, e tem algumas organizações, como Slow Food, que está no Brasil também, e “Old Ways Cheese Coalition” que também estão na luta. Mas no fim, o apoio do público, que vota, é a força mais potente. Contra queijos feitos de leite cru, tem os acadêmicos, muitos financiados, grandes empresas e burocratas.

Traçando um paralelo com o que presenciou e ajudou a impulsionar nos EUA, como você vê o Brasil nos próximos anos?
D. Strogin – Brasil está no momento similar de quando entrei na luta no EUA, nos anos 90. Mas aqui tem queijos de “Terroir”: queijos feitos em harmonia com a natureza do lugar. Os EUA não possuíam essa característica na época, e estavam perdidos na onda de industrialização. É preciso reiniciar, como foi feito nos EUA, processo que levou décadas.

O Brasil tem uma base para construir um mercado artesanal forte, podendo ganhar o apoio do público, criar novas regulamentações para pequenos produtores, baseada no melhor processo, direcionando para pequenas fazendas familiares, produtores artesanais e os riscos reais que eles enfrentam.


HARMONIZANDO QUEIJO & CERVEJA

Na taça, a bela “franco-carioca” Saison du Leblon. Uma Saison refrescante de boa carbonatação que leva manga, fava de baunilha e pimenta branca na sua composição, produzida pela cervejaria cigana 3Cariocas (RJ).

Na tábua, posando para foto com toda a sua exuberância, para acompanhar essa bela ceNeja, o Serra do Lopo. Elaborado com leite de cabra, inspirado no português Serra da Estrela. É produzido na pequena cidade de Joanópolis/SP pelo Capril do Bosque.

Queijo de casca lavada, maturado por aproximadamente 45 dias, com um mínimo de 20 banhos na ceNeja (Weiss). Casca seca. fina, trocante e levemente amarga, com massa muito cremosa e sabor delicado.


Data de publicação: Abril/2016

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