Senta, pega um queijo, uma cerveja, que lá vem história

Inauguro este delicioso espaço explicando minha paixão pelos sabores e cultura da fazenda, com os queijos e sua origem.


Das terras férteis do interior de Minas Gerais, de uma pequeníssima cidade, vem Joaquim Eloy Mendes, também conhecido como Barão de Varginha, título recebido em 1888, no final da monarquia. Barão, proprietário de 22 fazendas na região, não teve filhos legítimos e deixou sua herança ao filho adotivo, Joaquim Batista de Melo. Além disso, deu seu nome à cidade, anteriormente conhecida como Arraial da Mutuca. “Em agosto de 1911, foi promulgado o município de Elói Mendes, em homenagem a Joaquim Elói Mendes (Barão de Varginha), sendo seu território desmembrado do município de Varginha”, assim consta nos registros da Câmera Municipal.

Joaquim Batista de Melo é meu tataravô por parte da família de minha mãe. Foi nessa cidadezinha que passei a morar, saindo do Rio de Janeiro com meus pais, aos 12 anos.

No início, me via completamente perdido com a nova cultura e costumes muito próprios do “interior do interior”. E entre plantações de café e criações de cavalos e vacas, deixei para trás minha novinha prancha de surf. Com o tempo, entrei definitivamente naquele mundo de rodeios e torneios de gado leiteiro. Limpar o rancho, amarrar a vaca para tirar o leite e ajudar nas plantações dos tios eram tarefas rotineiras.

A família do meu pai era sócia da Radiante. “Em 1948, surge na cidade de Elói Mendes, no sul de Minas Gerais, uma pequena fábrica denominada Laticínios Radiante Ltda, pelas mãos das famílias Carneiro e Machado”, informa Gilberto Braga. Os produtos logo ficaram conhecidos por toda região, pela sua qualidade e sabor único. Em 1959, já havia filiais com produção nas cidades mineiras de Machado, Três Pontas e Campestre.

Entregando em seis capitais, fora as cidades da região, e produzindo mais de 15 tipos de queijos, se fazia necessário o investimento em maquinários maiores e modernos.  Assim um dos mais antigos funcionários, Gilberto Braga, relatou: “A sua filosofia (Radiante) teve como princípio manter o requinte da produção artesanal, mas sem abrir mão da qualidade, com modernos sistemas produtivos”. Investiu-se também em programas para melhoria do leite junto aos fornecedores da região e qualidade do gado leiteiro.

Nossa casa era um desfile de queijos, e minha mãe, cozinheira de mão cheia, se desdobrava em receitas com toda essa fartura. No portão, dia sim, dia não, passava uma carroça deixando uma lata grande de leite fresco. A Radiante era perto de casa – afinal em uma cidade com 20 mil habitantes, nada pode ser longe. Visitava a fábrica para “xeretar”, comer e sentir aquele aroma intenso e inconfundível.

Mas toda essa magia teve o seu fim

Com o Mercosul, os queijos argentinos e uruguaios chegavam aqui com preços impraticáveis, devido aos subsídios. Pouco a pouco, os laticínios foram fechando suas portas. As poucas, porém grandes, marcas que resistiram, como a Danone e Parmalat, reduziram sua produção e passaram a importar queijos. Foram tempos difíceis no campo, onde produzir leite dava enormes prejuízos. Retornamos à cidade grande, Rio de Janeiro, e para trás ficou uma grande e deliciosa lembrança.

Mas assim como teve início uma revolução nacional com a cerveja, está começando um movimento semelhante com os queijos nacionais. Nas fazendas brasileiras há um resgate pelas tradições abandonadas e pela busca de novas técnicas, métodos e experiências. Nesse movimento a favor do campo, os filhos retornam às suas terras para produzir. Diego Martins, que apesar do sobrenome, não é parente (ao menos que a gente saiba), é um exemplo.

Conheci o Diego na primeira turma intensiva d’A Queijaria (SP). Convidei-o para realizarmos juntos dois eventos de harmonização de queijos e cervejas no Rio, e aí surgiu uma grande amizade.

Diego é representante dessa revolução dos campos. Formalizou a sua empresa, a Caseirinho, em 2013, e produz uma pequena variedade de queijos, todos 100% artesanais e de leite cru. “Aprendi a fazer queijos aos 12 anos de idade com meu pai, por vontade própria, mas minha família já dizia que teria que ter outra profissão, tinha que ‘estudar’. Não viam o queijo artesanal como algo que pudesse ser estudado. Por coincidência, meu pai também aprendeu aos 12 anos, com meu avô”, conta. “Fiz faculdade de Publicidade e Propaganda e durante o curso fazia um pouco de queijo e vendia para ajudar a bancar os estudos.”

Com 30 anos, o jovem queijeiro de São Carlos/SP resolveu abandonar o mercado publicitário após pouco mais de três anos trabalhando numa agência de publicidade. “Nesses três anos, fiz queijo junto com meu trabalho na agência. Nas horas vagas ia para o sítio lidar com as vacas e fazer queijo. Com o tempo, isso começou a falar mais alto, tinha mais prazer em fazer queijo e falar sobre o assunto do que trabalhar com publicidade, então decidi largar tudo”, explica.

“Ano passado (2014) fui convidado para participar do 1º Prêmio de Queijo Artesanal do Brasil. Fiquei muito feliz por ter conseguido uma medalha de prata e duas de bronze. Mas fiquei mais feliz pelo evento e por ter a chance de falar um pouco do queijo artesanal”, comemora. “Costumo dizer que tenho mil motivos todos os dias para desistir de tudo, fazer queijo artesanal no Brasil não é fácil. Mas tenho dois para continuar: muito amor e um sonho.” explica Diego Martins, queijeiro da Caseirinho.

Diego e eu desenvolvemos uma linha de produtos com lúpulo, entre eles a manteiga e a ricota. Com ela fechamos esta deliciosa prosa.


HARMONIZANDO QUEIJO & CERVEJA

Ricota artesanal de leite cru de vaca, com lúpulos aromáticos, produzida pela Caseirinhos Queijos Artesanais. Fresca, com notas suaves de leite, levemente salgada, leve amargor e aroma de lúpulo, acompanhada da White IPA da Dortmund (SP), uma bela cerveja, bastante refrescante ao misturar o frescor do trigo com as especiarias de uma Witbier e lúpulos aromáticos.


Data de publicação: Agosto/2015

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